quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

















Luciano Maciel

Livre

Da melancolia escura que me arde
Como um livro vivo, que resplandece
Faço de toda a poesia minha prece
Calma e simples como o fim de tarde.

Ellen Berezoschi
Sonhei com Jura.
No sonho jura
va ela
Que não tinha
Jura
do nada.

Lola

Desnecessário

Copo, cilindro alvo
Fundo escasso, estás vazio
Trazes-me nostalgia quanto ao sabor
Minha garganta move-se
A saliva sai

Objeto prático, massificado
Vieste dos pântanos arcaicos
Milhões de anos no fundo mar
Para, após ação humana,
Parares aqui em frente aos meus olhos

Serves para o vício
E para fonte da vida
És templo de Baco
E de Netuno artífice

Tão... Sintético?

João Gabriel
Tenho coisas com cheiros...
Cheiro de olho
Cheiro de boca
Cheiro de gente
Cheiro de vida
Cheiro de morte
  Vivida.
Vida revisitada
Alma errada.
Cor, cheiro, sabor...
Que não vivi
Não vi
E nem soube
& nem (h) ouve.

Lola.

Terminal Urbano I

 Te vi fresquinha
No relento
Sol
Passar de saia

No deserto
Que virou meu
Eu
Te arrancava
O pano (comprido)

Comprimindo
Meus – longos – sentidos
Vesti o ônibus,
Como
tu.
Lola.

Férias (haikai)

Na praia caia
Sol, mar, farra, feriar
Bronzeado saia


Francis Gomes

Poema apodrecido

Tua beleza se esconde por trás
de máscaras de crueldade e repressão.
És frio e duro e podre
és falso moralista
és tão belo que machuca toda a minha alma
quando te vejo.
Tua beleza está quando te encontro garoto,
quando deixas de ser homem, em toda a tua covardia
quando me deixas em prantos e em solidão.
És tão belo, que choro.
És um rosto inatingível e lindo
e és amargo.
És o beijo adocicado,
e és minha fria morte, o pecado.
És o fim do meu dia
e o começo da minha poesia,
és minha destruição em insanidade
e és a vida suspensa em arte.
Tua beleza é o produto tóxico do meu cigarro,
minha tortura.
És enfim, neste momento,
minha triste manhã chuvosa,
minha falta de paciência, meu aperto no peito,
és meu apetite desenfreado
e minha gastrite tortuosa.
És este poema ruim e sem fundamento
és tudo o que não escrevi em prosa.
Tua beleza é meu último verso,
meu exorcismo e meus demônios aguçados. 

Ellen Berezoschi

















Renata Calippo

SAUDADE

Andando pela vida
Nos lugares que passei,
Numa bela despedida
Uma rosa desejei.

Uma rosa perfumante
A mais pura sem igual,
Com o seu jeito elegante
Fez-me sair do real.

Com três dias ela partiu
E a saudade a levar,
Mas o sentimento nos uniu
Com o coração a recordar.

Francis Gomes

Mulher (ou poema a três mãos)

Quando ela quer
Na cama, em mim, ela gama,
Vem pegar meu...
Pé!
F. T. L.

Todas as faces voltadas

Não, não encontrei
eles diriam qualquer coisa
mentiras, mas sem culpas
sem culpas?
estão incrustadas
tão fundo
a raiz tornou-se elas

não, mas
não há nada aqui
desde que todos estão
tão alto
não é permitido
vê-los sem seus próprios disfarces
aromatizados com seu líquido corrosivo
na sua jornada...
longa...!
rumo não há, nunca houve!
só placas de direção
"o porão é logo ali"
"vire à esquerda assim que achar necessário"
"lembre-se de que você nunca sabe o que é necessário"
"siga à direita"

os pés sobre as calçadas
as paredes fazem seus papéis
atrozes, vigilantes
seus olhos! fuzilando
ah, a cidade! fuzilando
o coração, eles não sabem
agonizando
enquanto procura suas partes
não sabe
sozinho não poderia


as perguntas saltam
cada uma com sua faca afiada na mão
e a sua mente
sendo envenenada
o remédio: entregar-se...
a saída, não
"você nem mesmo sabe por onde entrou ou onde está"
"gire!"

não era a mesma
a rota do planeta alterou-se
há tantos séculos
do colapso
da tempestade
o que restou
tinha caído há milênios
ah, mentira!
impossível!
inverossímel!

"inocentes!“

Juliana Pereira

PreSadas sejam as mulheres

PreSadas sejam as mulheres

E com seus lábios sujos de batom ela sujou o cigarro. Jogou a ponta no chão, pisou nele e saiu tão elegante quanto entrou. Não a despertei sensações, soube disso quando me olhou, seu olhar vago logo desviou-se e não voltou a me fitar durante toda a noite. Ela me despertou sensações, com certeza percebeu isso. Creio que ela não sabe em quem especificamente foram despertadas tais sensações, mas foi da maioria. Vários dariam a ela tudo o que ela pedisse. Eu não daria nada. A melhor puta é a que se come de graça. São sábias palavras de um canalha sem um tostão. Foi-se embora a dama. Digo dama pra não dizer outra coisa. Olha, se não fosse o meu tesão eu juro que teria me controlado nas palavras. As palavras despertam, julgam e definem. A pantomima que me perdoe um dia. A presa foi embora levando consigo os lábios de batom. O predador aqui dormirá.
 
O Gaita
CAP. V

Chegando
em casa ele encontra um envelope sem remetente com um carimbo "Boogie n' Burlesque", lembra de um bar pouco frequentado mas que sempre causou curiosidade por haver algumas mulheres pela porta baforando seus malditos cigarros sujos de batom no filtro, e alguns donos da rua também iam lá buscar diversão na madrugada.
Na carta está escrito: "Estarei no palco esperando sua presença do jeito que te encontrei, bebendo seus tragos coloridos e enchendo essa sua cara de desentendido." não sabe se aquilo foi uma ofensa, mas ficou curioso ao convite e à escrita, parecia ser uma letra de uma mulher linda com todas as curvas em cada palavra.
De longe, já avista uma luz vermelha, mostra o envelope ao segurança que o autoriza a entrar no local, há uns caras jogando sinuca e outros se divertindo com mulheres avulsas e seminuas.Senta no balcão e percebe que está em um bar burlesco.
Enlaça-te em mim como fizeste antes
Como naqueles tempos
 dos vícios das engarrafadas noites
presos nos becos buzinando risadas.
Não vá dormir cedo
A noite é tinta, é vinha é verde e branca
Cinzas alegres e mil copos vazios
Cheios de histórias de crianças adultas
Acidentalmente contadas
E teus dias são amarelados de tédio
Não te agrada eles, sei tudo
Que preferes agora?
       
               O Gaita 

Azeites & Bacalhau

Não me venha subverter
Com estes olhos sórdidos...
- Dá um tempo!
Virá à esquina e
Segue à via sacra.
Meus caminhos não são.
Campos de oliveira.
E, nem , eu
Cheiro à azeite
Extra-virgem.
- Me dá um tempo!
Desse as escadas da vida.
E vai por mim...

Lola.
Eles mantém o ritmo. O trabalho é escaldante e musicado. A obra não pára. Há um homem que enxuga o suor da testa. Ao seu lado, outro amassa o chão, igualando a superfície. Serão companheiros? No sentido maquinal da palavra, sim. Dividiriam uma preciosa garrafa de água fresca. Mas muito não se olhariam nos olhos. Nesse sentido não existem um para o outro. Estão lado a lado, apenas isso.
Algo deverá ser feito. Com certeza um plano será seguido, ordens e metas executadas. Talvez até o fim do mês. Então o suor será o combustível dos homens-máquina, por dentro e por fora, escorrendo por seus músculos pesados, quase amenizando a alta temperatura.
Pois isso são suas vidas. Uma construção tijolo a tijolo, lenta, exausta. E há sempre a espera pelo fim do dia, a cada ida e vinda do carro de mão, consumindo dois minutos no carregamento e um no descarregar. Nisso a conta do expediente vai se completando.
Uma última olhada para a obra, aquele belo empreendimento humano, incompleto. E uma última cuspida no chão sujo de cimento, uma espécie de "até amanhã!"...
Agora, que solitários os tijolos empilhados na calçada! Espera, a obra, pelo retorno daqueles braços tão esforçados. Que por vezes machucam, bem verdade. Mas, e isso obra alguma pode ignorar, o que buscam aqueles suados operários é um estupendo crescimento de toda aquela área reservada; em colunas, alicerces, fachadas, como reis contemplando o brotar de seus castelos.
Pela madrugada toda a obra descansa...enquanto vão aqueles homens do dia sonhando noite adentro com maquinários hiperavançados, suas honradas esposas ronronando ao lado, na mesma cama...
E ninguém entende a obra..

Lara Montechio
Cap. VI

Depois de algumas bebidas e performances chega ela com seu ego brilhando mais do que as luzes focalizadas ao seu palco, ele já desconfiava: -ela continua linda mas sua expressão não é das mais felizes, uma lágrima perdida na maquiagem, o dinheiro fala mais alto, ela precisa de ajuda.
...acabando o espetáculo, ela faz um olhar convidativo, ele já entende tudo, corre aos camarins e vê ela perdidamente linda se olhando no espelho ajeitando seu cabelo suado, ela diz pra esperar lá fora, ela não acha razoável ele assistir seu pagamento feito pelo bar. Acha que ela deve ter recebido alguns míseros trocados, ou imagina que a única maneira dessas mulheres entrarem ali é passando por sexo com manda-chuvas em troca de trabalho pra todas aquelas mulheres de classe média alta da cidade –pura diversão pra eles. Ela está tremendo e conta que depois que fugiu de casa tem se perdido nas drogas e está sem uma cama quente com um homem de verdade que lhe satisfaça, ela só podia estar dormindo com qualquer um daqueles escrotos que mandaram ela correr em seguida. -Você pode dormir na minha casa se quiser, com uma condição...

Caliu Scherer














Izabel Garcia











PATTI
Robert Mappletorpe


















Izabel Garcia

Paz

O céu estava tão azul e limpo naquela manhã, não havia nuvens e o sol brilhava pacificamente perto do horizonte.
Eu tinha acabado de acordar – entendam, eu mal abrira os olhos e a vastidão azul já se estendia acima de mim, dando as boas-vindas! E o meu corpo estava tão leve. Tão leve!
Estava deitado num pano doce que refletia o azul, ele ondulava com o meu peso e ondulava consigo próprio; ele me levava, para cima e para baixo, para os lados, para onde ele quisesse me levar.
Era bom. Era tão bom. Fechei os olhos e deixei a água me guiar. A sensação em minha pele pareceu se intensificar só com aquele simples ato. Nada importava, apenas o movimento, como se o oceano quisesse me ninar.
E assim eu adormeci. Mesmo em sonho, o céu não me abandonava. “Era bom e continuou sendo”.
Foi desse modo que a minha tarde passou. Tranquilidade e paz em meus pensamentos. Tranquilidade e paz… mesmo após a noite aparecer e entristecer o azul, o escurecendo, e eu acordar do sonho, de volta ao meu mundo cinza. A paz reinava em mim.


Rene Amaral Rebelo
Ele raizes em terra firme,
ela cambaleia no vento à flutuar...
Ele premissas, proposições lógicas,
ela esfinge, contos, mitos e poesia.

Ele real ela cega.
Tudo bem cair no infinito?

Ele calmo, ela
impulssiva...
ele no inverno, ela perdida
no tempo das estações...
Ele um tom de cada vez,
ela com MI, se LÁ, que DÓ
.

Calini Detoni
Se perguntavam, ela dizia estar tudo bem e abria um grande sorriso amarelo. E, o pior de tudo, muitos criam neste sorriso amarelo. Por dentro, ela sofria, quieta, sem amor. Sua vida afetiva era um tanto quanto sazonal: No verão, era quente, abria-se para o amor e apaixonava-se uma, duas vezes e quantas mais lhe fossem convenientes. Então, vinha outono, que trazia consigo mil desilusões e um ar de frieza ao coração. Chega o inverno, a pior de todas as estações do ano, fria, gelada, fazendo com que ela se feche em copas. Tinha algumas paqueras, porém, não se deixava envolver por ninguém. A primavera vinha e o sol começava a surgir. Ela, então, começava a se entregar e a ver que não é tão ruim estar nos braços de alguém. Enfim, chega a época mais esperada do ano: o verão! Ah, o verão...

Ana Valente 
Eu
Sou, a
Intens idade
que  ela
tem!

Lola

Trecho único de um conto inacabado (2009)

- Morrer é viajar em direção a algo que tu gosta de verdade, durante uma tempestade elétrica sem 
fim.  
- O que tu quer dizer com isso?
- Nada. Eu só estava pensando em voz alta mesmo. 
Encostou a cabeça entre os seios dela, e morreu ouvindo o seu coração. 

Ismael Schonhorst

Meu Espelho

Através do meu espelho vi um pequeno pássaro,
Ele ainda não sabe voar,
Mas tem esperança...

Vi uma velha casa,
Ela não tem teto, mas recordação...

Vi você,minha linda,
Você não tem a minha presença,
mas o meu amor...

Vi a mim mesmo,
Não tenho rima, mas uma poesia...

Francis Gomes

Nada mesmo.

Sabe, sonhei que eu era um náufrago.
Isso, um náufrago, sabe?
Naquele momento em que tudo o que não importa
Some. Sabe?
 
E tudo aquilo que fica é o que é importante.
Estás ali, e tu se agarra no que dá, sabe?
Tu esquece dos outros,
O negócio é você contigo mesmo.
 
E claro que tu vai sentir falta dos outros,
Sabe? Claro que tu vai.
Mas eu sonhei que eu tava ali, e era aquilo.
 
O momento da minha morte, e o momento
Que eu soube quem eu era, sabe?
- Eu não sei. Eu não sei de nada, nada mesmo.
 
 
Ismael Schonhorst















Lara Montechio

Missa em Dor Maior.

Kyrie
Eu fui levado pelo vento ou o vento por mim foi levado?
Mãos que acariciam o livro escolheram o destino errado.


Gloria
Mas quem sabe qualquer algo sobre qualquer coisa daqui?
Pulinhos no estômago já surgem pela espera sendo forjada.


Credo
O que sonham os poetas nos sonos carregados de febre e neblina?
Fantasiam a ligação secreta entre amantes latinos e a sintaxe do latim.


Sanctus
Tua alma no real acalmará as impossibilidades da ingratidão?
Vermelhas rosas invadem as lápides frias de futuros invernais.
(
Benedictus) Oração final para a sublimação da dança eterna.


Agnus Dei
Santo! Santo! Santo! Sento solitário e sinto o sino que não soa.
Acabam todos nesta vida entretidos com a esmola da carne das perguntas sem fim
?

Ismael Schonhorst
"Chovam todos os dias
pelo menos aqui
ou outra hora também,
depois do sol ou da lua,
de que serve-me a rua
quando não tenho onde ir?
mas eu passei por aqui
me esqueci nem liguei
tudo mais que eu não vi
mais tudo que eu não terminei".

           Wilson C. Gerlach
Lou Reeds,
Deitamos e amamos o sexo e a vida. Olhamos de repente para fora do quarto e o que existe? Através da janela uma campanha contra AIDS, na televisão que esquecemos ligada na sala um anúncio de desodorante, no qual corpos de mulheres nada mais são que ferros puxados por imãs. Fora desse quarto há o contracheque e um ensino a nos dizer que esse ócio é perigoso, que o trabalho nos enobrece. Mas que trabalho? Repetir, gastar nossas vozes por 6, 8, 10, 12 horas... Para quem, por que? Não há o que explique o porquê fazer o que amo é podado, porque ensinar significa cair numa sala suja, com cadeiras quebradas, olhando descrente perante crianças que talvez não tenham sequer os sapatos. Volto a olhar-te e entendo. Volto a pensar e entendo. Junto a essa lágrima que escorre devagar em meus olhos vai passando aos poucos o filme de todas as frustrações que vi e vivi, pessoas lindas tolhidas, desesperançadas, por pessoas que nem elas, cujo brilho foi sempre tirado na marra por um discurso, por um NÃO!  Vendo a felicidade vejo tudo que me obriga a vivê-la somente em momentos, nunca plenamente. Vejo outros, iguais a mim, que sequer esses momentos têm, porque precisam superar a fome. Vejo os impotentes que nos tiram tudo, consumindo-nos para preencher um vazio.  Vejo a doença... Um dia um homem disse que  para o educador há apenas uma fidelidade: ao que há de vivo na criança. Há algo  nisso que eu agora entendo te abraçando essa noite. E é para viver plenamente isso, e acreditar que todos deveriam que vale a pena de lutar.

João Gabriel
"Aluno:
Eles lá: 
ANDA CERTO, PISA RETO, DIRETO AO PONTO!
Nós, aqui:
LÁPIS, PAPEL. 
círculo círculo círculo círculo...“
Caroline  Czerner
"Muito bom dia!
Muitas alegrias!
Chegue o mais longe que puder!
Urgente
Necessário
im-pres-cin-dí-vel!

Com licença,
fiquem quietos.
Cortem os superlativos
E suas línguas também.

Por favor,
tirem os olhos de mim
aprendam a ver melhor
precisamos de menos.
Usem as mãos
os ouvidos
todos temos cinco sentidos!
e coração.

Obrigada,
mas tenho tempo a perder
trabalhos a deixar de lado
pessoas a tirar da minha vida
e sem essa poluição toda
fica facílimo!"

Caroline  Czerner
  
Izabel Garcia

















Izabel Garcia

Soneto Anconselhado (declarção de guerra?)

P'ra que eu a cure, dói em mim a dor que nela dói.
Porquanto amo, odeio o que corrói o meu propósito
de salvação, de permanência, meu próprio
apósito
que este coração, com excelência, se destrói.

Há uma espécie de ilusão na escuridão, é a tal
lembrança da iluminação fugaz passada;
é um módulo de engano essa dor inconformada
com o inexorável peso disto que é real.

Pois não há qualquer outro desvão em que se insira
a névoa, forma efêmera do ser em excesso,
senão este em que estamos imersos, em que gira

o coração, bêbado, sempre vomitando versos.
Não vejo alguma redenção ao fim desta lira...
O amor, cujo avesso é o ódio, odeia seu avesso.


Giuseppe Varaschin

A anulação obrigatória do universo

 Aquele encontro pontual com a sepultura
já te está a ti marcado de antemão
nas macilentas palmas desta tua mão
em cujos abismos teu féretro figura:

Símbolo e anunciação daquela desventura
- Inevitável! Berra o quiromante: - Não
há ardil que te poupe e anule este tufão,
que é o fim do universo, a inelutável tortura.

O maior dos sofrimentos é um mal venéreo,
e não há sábio nem ciência que alivie
o obrigatório itinerário ao necrotério.

O asqueroso sepulcro que então ali vi
é tua participação no cemitério
- é a conseqüência do pecado sem álibi.

Giuseppe Varaschin

Humaníssima

Em uma noite de luar inteiro
Deitada sobre o travesseiro
Eis o que a divindade traz.
Desperto para a vã verdade que toca a minha humanidade.
E faz carnal a minha paz.


Me esbaldo e me
lambuso no sangue dos carnívoros.
Não sinto culpa ao ver a pele humana desnuda açoitada.
Saliva nos lábios e desejo nos olhos.
SOU HUMANA, humana demais.
Animal racional....

RENATA CALIPPO

APELO

Deixe-me ir à fonte,
Inebriar-me com o perfume das rosas,
as poucas que ainda restam.
Sorver as gotas de orvalho
Que se permitem umedecer
O pico das montanhas.
Acordar em certa manhã.
Óh! É o som do meu despertador.

Daniel da Silva

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Ele corre com as pernas,
ela com as palavras,
tudo bem tropeçar nas sílabas?

Ele acerta os pontos, as virgulas,
os sustenidos...
ELa erra o compaço,
bagunça as frases, sente o abstrato.

Ele resolve problemas,
sabe as perguntas,
argumenta o impossivel...
Ela clama por asas,
reclama a gravidade,
sorri com as folhas no chão.

Ele a concreta virtude,
ela o delírio repentino,
ele razão, ela o sentir...
Ele toca o silêncio,
ela suspira...

Calini Detoni

sábado, 3 de dezembro de 2011

Cap. IV



Era daquelas garotas que precisava de um freio nas intuições, mesmo sendo muito impulsiva continuava com seu jogo de não abrir sua vida aos seus amantes, única situação em que demonstrou algum afeto, foi quando se encontrou com um espertão, era romântico com ela, mandava flores, andava de mãos dada pela rua, desfilando closes de beleza pelas esquinas.mal sabia ele da dor que o esperava, daquele salto afiado cravado em seu coração... (continua na próxima edição)
Caliu Scherer

CINQUENTA CRUZADOS NOVOS

os cruzados novos, custo caro de Carlos,
quando circularam (uma soma de ocasos
consumida na cruza dos pepéis e moeda)
o gasto do rosto no inconsútil da cédula.

os haveres e os bens ou a cifra das juras
sua efígie minera mesmo fora do lucro?
de que marcas de água uma face valora,
em espécie e vica, mas perdida de usos?

a dinheiro e depressa, a matéria corrente
se dissipa no vulto, na pessoa de monta,
porque mora e amor, desvalor e demora.

as idades sustentam por apensas centavo
uma cor inventária nas heranças da pele:
sua face consuma uma dor de cinquenta

dennis radünz

Dennis
A única coisa que eu ouvia era a chuva. Doce e tranqüila, com uma mistura de melancolia e solidão. Passei minha vida inteira com aquela sensação, mas nunca a compreendia, nunca entendia por que a chuva me causava tanto paradoxo. E agora que a verdade parecia estar ao alcance, eu a rejeitava. Eu a temia.
Deixei aquele som me envolver enquanto passava os dedos na face fria do retrato. Os cabelos. Os olhos. Os lábios. Aquele rosto imortalizado naquele sentimento de felicidade só contrastava ainda mais os meus arredores sombrios.
Escuridão, a chuva e a solidão. Deixei o retrato para trás e olhei para o céu nublado pelo vidro da janela, eu sabia que havia um tom de azul nas lâmpadas lá fora que iluminavam o meu apartamento negro, mas eu não via apenas aquele azul, eu sentia aquele azul me cobrindo.
Talvez a grande verdade fosse essa. Azul. A cor que nos uniu, a cor que nos separou e que agora caçoava de mim estando presente na minha amarga solidão. Era verdade (só poderia ser, estava tão certo disso quanto o azul que me rodeava). Era verdade, mas a ignorei, era mais fácil assim.
Era a única maneira de me manter são naquele momento.
Me concentrei nas gotas que escorriam pelo vidro desenhando lindas formas simétricas, não era surpresa que aquilo me fazia lembrar da moldura que por sua vez me lembrava dos tempos felizes, dos tempos passados.
Fechei os olhos. Era bom. O passado era uma armadilha que só deixava o azul mais forte. A chuva me reconfortou de uma forma intensa. Abri um sorriso tímido, hesitante, mas verdadeiro – meu rosto estava desacostumado com aquela expressão. Queria sentir na pele as gotas frias, queria sentir o vento batendo em meu peito e rosto.
Deslizei a porta de vidro para o lado e dei dois passos a frente, fui recompensado pelo vento frio e aconchegante, mas ainda não era o bastante. Cada passo dado a sensação do azul se enfraquecia. Era bom. Mas ainda não o suficiente.
Agora estava à beira da sacada e as gotas finalmente tocavam no tecido da minha camisa e na pele de minhas mãos – o azul já não existia, apesar de eu saber que as luzes ainda refletiam aquela cor em mim. Era bom, mas ainda faltava algo.
Desabotoei minha camisa e a joguei para trás. Melhorava a cada instante, e eu ainda precisava de mais, precisava sentir a chuva completamente.
Devo abrir espaço, neste momento, para pedir perdão à pessoa retratada naquela foto deixada sozinha no azul, também devo pedir perdão a todos que significaram algo para mim, que tiveram o meu estranho e sincero amor. Perdão. Pois eu fiz uma bobagem, me acompanhem por mais um pouco e entenderão:
O teto do andar de cima impedia que a chuva pudesse vir até mim, por isso subi no pequeno parapeito da sacada. Usava a mão esquerda para me segurar na parede e a direita segurava os pingos que caíam. Era bom.
Mas não o suficiente.
Eu sabia que conseguiria sentir a chuva na pele nua de meu corpo se eu conseguisse chegar mais alguns centímetros mais perto. Na hora eu não percebi, mas era a mesma certeza de antes, a certeza do azul.
Quando as primeiras gotas finalmente tocaram minha pele, me deixei levar por aquela sensação incrível e me desliguei do mundo. E durante esses segundos cruciais, algo aconteceu. Me senti impelido – jogado – para frente como se alguém tivesse me empurrado (azul). Voltei à realidade quando me deparei com a calçada se aproximando cada vez mais rapidamente de mim.
Mesmo caindo, a chuva era mais rápida e eu pude sentir as costas e a nuca serem acariciadas, pelo menos aquela doce sensação não me deixara. Era bom.
O sorriso não deixou meu rosto naquele momento, nem quando eu percebi que a calçada também era iluminada por aquela luz azul que vinha de todos e de nenhum lugar.
Afinal. Era bom. Mesmo quando o azul me abraçou novamente. Mesmo quando meu nariz fez o primeiro toque e se quebrou e dobrou para o lado ao peso do meu crânio, mesmo quando todo o choque do impacto fez meu coração parar. Era bom. E continuou sendo.
E continua sendo.

Rene Amaral Rebelo

Poema-plano

Me encontre hoje a noite na esquina, vamos atear fogo no rio Tamisa, e depois pagar uma bebida para o guarda. Vamos roubar cigarros das lojas em construção, e vamos construir erros que nas histórias orais farão parte de nosso passado. Vamos engolir as pontes de Londres, e sintetizar tudo num cenário mastigados de blocos de construção e uma pitada leve de jazz. Meu amigo, me encontre hoje a noite na esquina, e vamos beber água até cair da escada tropeçando em nossas gravatas. Vamos cortar a garganta de velhinhas indefesas, e como agredecimento, vamos aceitar pedaços de torta e canecas de café com anilina lilás e canela em pó. Vamos subir nas pontes de traços que nunca foram demolidos, e vamos jogar lá de baixo para cima o futuro de nossa nação. Atenção, isso não é uma apologia ao crime, isso é uma reclamação escrita num guardanapo. Isso não é uma ligação depois da meia noite, é um sorriso discreto na boca de uma moça que se prostitui entre as bichas e os mulatos pois não tem nada para fazer entre a hora do jantar e a hora do café da manhã. Isso não é um poema, isso é a alegria do tédio, não apenas uma canção sem ritmo para dançarinos insones. Me encontre hoje a noite na esquina, e vamos rezar para Deus, ou seja, para ninguém além de nós mesmos. Me encontre hoje a noite na esquina, e eu não estarei mais por lá.

 Ismael Schonhorst

Cap.III



...o desapontamento em revê-la naquela hora foi notável. Ele não admitia mas ainda imaginava a volta das sacanagens que ela fazia com
ele. Os diálogos iam do amor ao ópio, do extâse às bad trips, ela dizia
ser independente, -grande besteira- não aguentava um fim de semana longe
de um abraço estranho, sua arma era atrair velhos amantes
de volta com seu canto leve sobre o sofá ou um bar de beira de estrada.
Caliu Scherer

De volta

pela noite vazia
A vida para na esquina
e pede uma dose.
Senta no balcão
e balbucia algum infortúnio
(confusão)
Olha no espelho:
- Uma espinha!
...
E se foi a vida.

 
Lola

i'll be your mirror

As ruas tem um aspecto bonito quando as noites são brancas. Principalmente as noites de inverno quando a neblina toma cor alaranjada sob as luzes dos postes de iluminação. Lou Reed berrando em meus ouvidos uma velha canção. Os vinhos amargos escorridos nos cantos da boca num passeio noturno sem fim, ou até que acabe a próxima garrafa. quando a noite estiver em sua cabeça & tudo começar a rodar, serei seu espelho. Lagartos vadios pintados de cinza correndo na areia seremos nós. As estrelas caídas na praia seremos nós. Os catadores de lixo que encontram comida nova atirada na lata velha seremos nós. Os que aspiram fumaça tóxica nos becos da cidade seremos nós. A multidão esperando o ônibus pra ir pra casa no fim da tarde seremos nós. Os que se acotovelam em vagões caindo aos pedaços, cansados, com fome, sem cigarros, com um poema pronto na cabeça, sem papel, sem lápis, sem amor seremos nós. Até que venha a próxima geração de degenerados, seremos nós. Os que se atiram debaixo das rodas dos caminhões nas auto-estradas, seremos nós. rebeldes. apaixonados.

Jonas Martins
Não quero mais o circo itinerante,
a voz de nossos dulcíssimos doutos;
posto que falam, que falem aos outros!,
não quero mais a voz de Xenofonte!.

Estes que aí estão são todos doidos...
Antes eu quero a mudez das fontes,
das rosas, dos ventos, do amor, dos montes;
nem esses versos eu os quero lidos.

Não quero mais a turba que só medra...
Quando virá alguém fazer a redra?!
Quando a voz dessa gente irá calar?

Se não eles, a mim hão de matar!
Matem... Mas ai de quem me sepultar:
Eu quero é que me enterrem numa pedra!
William Azevedo Rodrigues

Me ti cu losamente



eu metia os meus olhos nos
teus.
Envolvia minha vida –
vazia
na tua – cheia e  imunda.
Três meses depois...
Dos meus olhos quentes
metidos
nos teus olhos frios,
Na nossa vida vagabunda,
a minha mão limpinha eu
metia
na tua Bunda.

Lola

DESABAFO DE UM ADOLESCENTE



Fui criança: brinquei, sorri, amei e fui amado.
Nos  olhos  dos  meus  pais  vi  muitas  lágrimas  e  elas  brotaram
espontaneamente, quando engendrei as primeiras palavras.
  Senti orgulho ao vê-lo sorrir e, sorri também.
  Ao alçar o primeiro passo escutei a frase de incentivo escapulir entre os
lábios do velho: – Anda meu filho, o mundo é teu. O choro embargou a voz
de minha mãe e as lágrimas rolaram em sua face sorridente.
  A adolescência chegou e diante dela o mundo se abriu. 
  O universo que pensei estar reduzido a colégio e lar, com a chegada da
pré-adolescência, expandiu-se num estalo; amigos; meninas; baladas; festas e...
Senti-me  uma  divindade.  Tudo  estava  ao  meu  alcance  e  em  breve  a
maioridade me presentearia com a liberdade que pensei não ter, pois, meu pai,
esboçando  uma  estampa  sisuda,  com  o  dedo  a  balançar  ao  lado  do  rosto,
repetia sempre que me via pronto a sair. – Mantenha-se longe das drogas, da
bebida e das brigas... Selecione os amigos e afaste-se dos problemas. Pegou a
camisinha? Questionava mamãe.
  Eu  respondia  um  sim,  sussurrado,  quase  não  querendo  responder  e
escutava  meu  pai  complementar;  sempre.  –  Não  esqueça  meu  filho:  “As
atitudes do jovem, alicerçam o homem”.
  Segui  seus  conselhos  por  anos  e  por  anos  fui  feliz,  mas  tinha  me
tornado adulto e, pra festejar, decidi quebrar as regras seguidas até então.   
  Balada regada de mina e a pancada do som vibrando no peito. Tudo era
divino naquela noitada libertária e a voz da mina, soou como flauta encantada!
   - Deixa de ser careta, ao menos uma vez na vida, cochichou a princesa
que acariciava meu rosto.
  - Verdade  - pensei  -. Pra  tudo  existe uma primeira vez. E  eu que, até
então,  bebericara,  afoguei-me  na  liberdade  que  o  álcool  injetava  em minhas
veias, a cada gole. 
  Mal  sentia  o  tato  quando  sentei  por  detrás  do  volante  do  carro,  que
ainda nem era meu. Enterrei o pé na lata, escutei o chiar e ainda senti o cheiro
de borracha queimando quando o deslocamento do ar me empurrou de contra
o encosto... Cara! Pura adrenalina. 
Depois o mundo girou, e eu apaguei, de vez.
          Foi  por  mim  mesmo,  e  pela  irresponsabilidade  do  feito,  que  meu
mundo infinito reduziu-se a este leito.
  As  lágrimas hoje  são minhas e não são de alegria, não consigo  sequer
secá-las... não sou mais dono de mim mesmo, e meus olhos que corriam pela
vastidão  do  universo,  permanecerão  pra  sempre,  vislumbrando  apenas  um
teto. 

Celso da silva