Primeiro Devaneio – Do Cajueiro
Um horizonte a se aproximar do olhar e que é de tantas lonjuras, de
tantos desgastes para ser alcançado. Ventania deu para levar ao de lá a chuva,
o sol arde dolorosamente sobre a areia molhada, coisa de cegar os olhos, de
querer escondido se aninhar, pra o de longe fugir, adentrando por matas que o
sol não ou, então, cerrar a casa e ficar ali, não sendo, até que o sol amaine.
Ontem subi pé de cajueiro, mas não qualquer cajueiro, diria até que era
um senhor cajueiro, tronco grosso, reto, com galhos firmes e longos, deve ter
para mais de dez metros de altura, ele. Subi até a ponta e fiquei lá, escorado,
sendo embalado pelo vento que soprava forte, olhando o rio a se dobrar em
curvas, se perder em mangues com suas lamas e seus seres de lama ou, se
desfazer em brancas praias habitadas de seres mais sujos que os habitantes dos
mangues, mais peçonhentos, mais abomináveis, mais vestidos de cores laranjadas
e verdes limão, seus vermelhos que brotam em profusão, como brotam gargalhadas
alcoolizadas, como brotam sons enervantes em volumes histéricos. Tudo para
esquecer do vazio da vida, da amplidão de nadas, do não mais querer para o
futuro a não ser outras máquinas mais enervantes que produzam sons mais
histéricos, gargalhadas mais abomináveis. Tudo para mostrar ao maior número de
gentes o quanto são supostamente felizes, pois que bebem e riem e gastam e
jogam em torno suas excrescências. Tudo para abafar os sons e as imagens dos
seres da lama, aqueles, mais limpos, que cavam cada vez mais fundo o mangue
para fugir, para se esconder, para não ser. Pensar nisso olhando o rio de cima
do cajueiro, fez tudo derreter, perder o viço, fechei os olhos querendo me
tornar parte do cajueiro, parte do embalar, parte do vento. O imperativo grito
de mico sentado em galho próximo, a não mais de dois metros me tirou do
devaneio de árvore. Senti-me acusado por seus redondos olhos brilhantes e seus
dentes afiados, devidamente perfilados e a mim exibidos, de estar em lugar que
não cabia, pois que pontas de árvores são lugares para micos e não para humanos
que se perdem em devaneios de rio. Desci do cajueiro e tomei trilha de outros
bichos, outros seres, mas não me perdi.
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