terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Fábula

Porque vieste do mar e nasceste da ressaca das ondas que quebram tua mãe é a lua.
Tua aparição mística na demolição das vagas para o espanto de um pescador que ali passava.
Mas esse pescador, que te conheceu perdida, embalou o teu corpo como se fosse um remo - e assim ele se fez teu pai.
E tua mãe gigante sempre te vigiava, e quando podia construía pontes impossíveis que a levavam até a areia da praia onde moravas.
E da tua casa podia-se ouvir ainda o martírio das ondas e a sistemática ressurreição de outras como tu.
A maresia enfeitava o ferro com a ferrugem.
E enquanto o sal te acrescentava o corpo que um dia terias e te esculpia como uma estátua, teu pai namorava a tua mãe toda noite perto da janela.
Mas foste filha
ungênita desta paixão imensa.
Porque teu sono era tão frágil quanto o silêncio.
E tu cresceste, e choravas cada vez menos e cada pranto era cada vez maior, cada vez mais pesado.
E quando choravas teus olhos sonhavam mirando em mim.
E quando fugias, fugias em minha direção.
Teus pais perguntavam - "Por que lá?"
E dizias - "Porque a viagem é longa."
Aprendeste a remar com eles, mas agora, remavas para mim.
Até mesmo Deus, com ciúmes, certa vez quando estavas sozinha te disse em oração:
- "O horizonte é uma imensa boca que quer deglutir a tua alma.
O mar é a água na boca.
O sol é o brilho no olhar.
Tua mãe ficou nova e fugiu,
E teu pai, atrás dela, foi passear numa segunda lua de mel."
Meus lábios arquearam para baixo, porque eu soube que nunca mais irias me abraçar.
Só então eu percebi que tinha engolido o mundo,
E que estavas já, dentro de mim.

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