terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Lá em casa. Isso, lá em casa eu posso tomar um café com bolo. Tenho fome. Acho que devo ter andado muito até chegar aqui. Não sei bem há quanto tempo estou sentada neste banco, o tempo já não faz sentido. Poucas coisas fazem.  Muitas ausências. Todos já parecem ter se ido e eu fiquei aqui. Permaneço. Amanheço, Entardeço, Anoiteço, Adormeço. Sempre é um começo. Minhas lembranças vem e vão, inapreensíveis. Mal chegam não conseguem nem ao menos configurar uma cena, logo se apagam. Muitas vezes um branco total toma o lugar em minha mente. Cansada, exausta, mas ainda febril. Algo me move, sempre pra frente. Pego minha sombrinha e saio. Ando muito. Nunca sei pra onde. O destino deixou de fazer sentido há tempos. Para que fixar um local de chegada se me perco em cada parte do caminho? Como hoje. Não sei a que horas sai de casa. Sei que sai porque estou aqui. Sei que devo ter andado bastante porque minhas pernas doem e sinto fome. Sei onde estou e sei voltar. Ao menos neste momento eu sei. Mas tenho medo de me levantar e prosseguir. Agora sei como voltar pra casa, reconheço esta praça. Tantas e tantas vezes estive aqui em momentos diferentes da minha vida. Ana pequena, começando a dar os primeiros passos. Eu e Otávio, jovens, namorando, talvez até mesmo aqui, neste mesmo banco. Será que dá tempo de chegar em casa antes que a linha do percurso se apague de vez? Vale a pena levantar? E se neste momento em que eu me levantar tudo se pagar novamente? Será que devo gritar? Chamar alguém para me ajudar enquanto ainda lembro quem sou e o endereço de casa? Vão pensar que sou louca, uma velha demente. Mas é isso mesmo que sou. Uma velha demente. Sempre soube que a loucura um dia me levaria pra longe. Este perto longe em que me encontro agora. Se eu pudesse ao menos ter forças para correr, correria pra casa, rápido. Lembro de correr em varias ocasiões em que as coisas não corriam muito bem pra mim. Correr era um modo de escapar. Muitas vezes treinei aqui neste mesmo parque. Corri muito. Muitas maratonas, competições, muitas medalhas. Todas lá na gaveta da sala, ainda lá. E eu aqui. Deve faltar pouco para eu também se engavetada. Arquivada. Uma prateleira com uma etiqueta com meu nome nela. Por enquanto estou aqui, quase inerte, com um medo gélido que me paralisa. E se eu me levantar e tudo sumir? Sei que some, ao menos isso eu sei, agora, neste momento em que me recobro. Tento nestes momentos fazer toda a força possível para estar totalmente presente. Como valorizo estes agoras. Agoras são o que eu tenho, meu bem mais precioso. Quando não estou em mim, não ha nada. Nestes agoras me sinto inteira, com tudo que sou e fui convivendo em mim. Mesmo leve como estou sinto o peso. A vida pesa. Mas agora sei como é bom sentir esse peso, esse algo em mim. Esse algo eu. Fora destes momentos não ha nada. O médico me diagnosticou. Pensei que era exagero dele. Imagina, eu, perder minhas faculdades... Minha capacidade de lembrar onde moro, quem sou, meu passado, minhas coisas, pessoas. Mas foi o que aconteceu. É o que acontece. Tudo parece correr de mim. Vertiginosamente se apagam. Isso me parecia impossível. Até que algo nesta idéia me atraía. Imaginei a leveza que me tornaria. Agora que já não podia mais correr, este estado de amnésia temporária seria o mesmo que uma corrida febril, a mesma sensação de liberdade e êxtase. Só que eu simplesmente não tenho nenhum tipo de lembrança de como isso ocorre, quando ocorre, o que acontece, qual a sensação, nada. O que sinto, nestes momentos em que me recobro é o peso. E o medo. Mas de tanto isso acontecer até o medo eu já estou perdendo. Parece que sempre acabo num lugar conhecido, por mais que me afaste de mim.  Talvez seja isso a morte. É este deve ser um tipo de treino para o embate final. Acho que estou ficando boa pelo menos nisso. Quando o medo se for de vez, virá o total desapego e talvez seja hora de não voltar mais, nada de me recobrar. Na.
 

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